Olá queridos!
Quando eu era pequena, eu tinha medo de aranhas e escorpiões, mas de mosquito?!
Atualmente um mosquito em particular está causando pânico a mim, em todo o Brasil e no mundo: o Aedes aegypti. Este "odioso" inseto alado é responsável pela transmissão de três doenças: Dengue, Zika e Chikungunya. Entretanto o vírus causador da febre Chikungunya (Chikungunya vírus - CHIKV) tem encontrado outros meios de disseminação. E é do Chikungunya que irei falar neste post.
Então já inicio com uma pergunta: Como o CHIKV conseguiu se expandir e causar doenças em diversos lugares ao redor do mundo?
|
Vírus Chikungunya (ou CHIKV)
Fonte: http://www.ebi.ac.uk/pdbe/entry/emdb/EMD-3144 |
Esses vírus
são transmitidos para os seres humanos através de mosquitos do gênero Aedes,
a princípio o Aedes aegypti, mesmo transmissor do vírus da
Dengue. E por falar nisso, preciso mencionar que este mosquito já vem
sendo vilão em nosso país há muito tempo? Com o meio de transporte (vetor)
consolidado em território nacional, o vírus pegou carona e há pouco mais de um ano
atrás foram registrados os primeiros casos de Chikungunya por aqui.
Inicialmente eram pacientes vindo de outros países e não muito depois, também
passaram a ser registrados casos autóctones, ou seja, de origem local,
acionando o sinal de alerta para uma possível epidemia do vírus em nosso
país.
Bom, que os mosquitos Aedes aegypti são comuns em regiões tropicais nós sabemos. Mas então como atualmente existem casos de Chikungunya por várias partes do globo??
Vamos voltar um pouco no tempo!
O CHIKV foi identificado pela primeira vez em 1952 na África, na fronteira da Tanzânia e Moçambique. Em 10 anos, o vírus se expandiu para todas as regiões tropicais, Estados Unidos (Florida), Ásia e até mesmo Europa (Itália). Apesar de ser reportada como doença não letal, uma cepa do vírus foi responsável pela morte de cerca de 260 pessoas em uma epidemia na Ilha da Reunião, no Oceano Índico em 2006, quando foi relatado o envolvimento de uma espécie diferente de mosquito na transmissão do vírus.
|
Países onde já foram reportados casos de Chikungunya (CDC) |
A partir desse evento, cientistas passaram a pesquisar e tentar descobrir como o CHIKV conseguiu se expandir amplamente. Um dos segredos é seu material genético.
A partir daqui o assunto fica um tanto mais minucioso, mas vamos lá!
Primeiramente, os vírus são partículas minúsculas, diferentes das nossas células, de bactérias ou outros seres microscópicos. Em seu processo de reprodução e dispersão no ambiente, é essencial que infectem uma célula para que possam usar as estruturas celulares, e isso é um fator importante na evolução dos sintomas das doenças virais, ou viroses. O CHIKV é um vírus cujo material genético é uma simples fita de ácido ribonucleico (ARN ou RNA) a qual fornece as informações necessárias para a produção das proteínas virais.
|
Fonte: askabiologist.asu.edu/virus |
Na ilustração da figura acima temos: 1) a ligação do vírus com a célula hospedeira; 2) material genético do vírus é liberado; 3) as proteínas virais são produzidas e 4) novos vírus são produzidos e são liberados no meio externo para infectar outra célula.
Entre as proteínas do CHIKV, existem duas que são necessárias na composição da pequena estrutura desse vírus. São elas as proteínas E1 e E2, as quais têm papel importante na entrada do vírus na célula hospedeira por meio de associações com proteínas da célula, chamadas receptores, como ilustrado na figura acima. A proteína viral E2 interage com proteínas receptoras específicas na membrana da célula hospedeira, enquanto a E1, que está localizada logo abaixo da E2, ajuda a mediar o processo de fusão entre o vírus e a célula. Está me acompanhando? Para que o vírus entre em nossas células ou nas células do mosquito, por exemplo, essa associação de proteínas virais e celulares é indispensável, e aí é onde mora a chave da questão!
Já ouviu falar que às vezes algumas coisas não dão certo para que outras coisas melhores possam acontecer? Pois é, isso acontece com os vírus, e aconteceu com o CHIKV. Entretanto o resultado não foi tão bom assim para nós, meros mortais...
O que acontece é o seguinte: os vírus cujo material genético é o ARN, como o CHIKV, necessitam de uma proteína específica que realize a replicação do seu material genético. Proteínas que realizam reações bioquímicas nos organismos são chamadas de enzimas. Nos vírus de ARN, essa enzima é a ARN polimerase ARN dependente, a qual enquanto está trabalhando no processo de replicação do ARN, pode cometer erros que não são consertados!! O matérial genético funciona como um código. Erros no código genético originam mutações na nova fita recém sintetizada.
Cientistas estudaram o material genético do vírus responsável pela epidemia na Ilha da Reunião em 2006 e descobriram uma mutação pontual, ou seja, um pequeno erro no código genético, ocasionando a substituição de um aminoácido por outro na proteína. Esse erro aconteceu com a proteína E1 que foi citada, gerando uma proteína E1 mutante, a E1-A226V. Para os mais familiarizados com a Biologia, o A226V significa que um aminoácido alanina foi substituída por uma valina na posição 226 na estrutura da proteína E1.
Enfim! Qual proveito o vírus da Chikungunya tirou disso?! O CHIKV evoluiu, tal como um pokémon!
Para alguns vírus, mutações contribuem em sua evolução e adaptação à um novo ambiente. Cientistas sugeriram que o CHIKV causador da epidemia no Oceano Índico teria sofrido um sucesso evolucionário, possivelmente porque tal mutação permitiu a adaptação do vírus à uma nova espécie de mosquito, o Aedes albopictus, que também é vetor da febre amarela. Além disso, a mutação também permitiu que o vírus se difundisse mais facilmente nesses mosquitos, aumentando sua transmissibilidade.
|
A: distribuição mundial de ocorrências de Aedes aegypti
B: distribuição mundial de ocorrências de Aedes albopictus
Fonte: http://dx.doi.org/10.7554/eLife.08347.008
|
Antes, o CHIKV não tinha como se expandir para locais onde mosquitos A. aegypti não fossem comuns, como as regiões temperadas por exemplo. Mas a partir do momento em que o vírus se tornou capaz de infectar uma espécie de mosquito local, ele pode se espalhar causando novas crises epidêmicas. Como podemos ver no mapa, alguns países como Itália e Estados Unidos é habitat de mosquitos A. albopictus, mas não é do A. aegypti. Por tanto, acredita-se que pessoas infectadas com o vírus viajaram para locais distantes onde o vírus pôde se adaptar a um novo vetor. Por outro lado, existem países onde ambas as especies de mosquitos podem ser encontradas, aumentando ainda mais o risco de contração da doença. O Brasil é um desses países.
|
Aedes aegypti (esquerda) e Aedes albopictus (direita) http://ondeestaoaedes.com.br/default.php?p_secao=20 |
É importante termos uma noção sobre as adaptações virais para que possamos estar preparados para possíveis epidemias ou até mesmo pandemias. Os vírus estão sempre buscando se replicar e disseminar. O CHIKV é um dos muitos exemplos que temos. Porém, fatores sociais e ambientais também realizam um papel que é tão importante no aparecimento de doenças quanto a variação genética. O desmatamento de florestas tropicais, por exemplo, aumentando as chances de contato entre vetores e patógenos. Outro fator é o aumento populacional, pois quanto maior o número da população, maior a proporção de infecções.
Todos os fatores citados, somando com a precariedade nos sistemas de saúde, nos ajudam a compreender como o CHIKV conseguiu se expandir para tantos países, causando doença em muitas pessoas. Isso serve como um alerta para a população e para o Governo sobre a importância de medidas preventivas, e o desenvolvimento de vacinas.
Então é isso pessoal! Protejam-se contra esses mosquitos e vamos também participar da luta contra sua disseminação!
E se você tem dúvidas em relação à diferença entre Chikungunya, Zika e Dengue, você pode consultar o seguinte site do EBC.
Até logo!
Referências Bibliográficas
World Health Organization. Media centre, Chikungunya. http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs327/en/Acesso em 26/09/2015.Thiberville SD, Moyen N, Dupuis-Maguiraga L et al. Chikungunya fever: epidemiology, clinical syndrome, pathogenesis and therapy. Antiviral Res 2013; 99: 345–370.
Seppa N. Chikungunya is on the move. ScienceNews magazine. https://www.sciencenews.org/article/chikungunya-move. Acesso em 26/09/2015.
CN Rémi, L Xavier de, R Didier. Chikungunya Outbreaks — The Globalization of VectorBorne Diseases. N ENGL J MED (2007) 356; 8.
CDC - Emerging infectious disease. East/Central/South African Genotype Chikungunya Virus, Brazil, 2014.< http://wwwnc.cdc.gov/eid/article/21/5/14-1727_article#r4> Acesso em 26/09/2015.Schuffenecker I, Iteman I, Michault A, Murri S, Frangeul L, et al. Genome Microevolution of Chikungunya Viruses Causing the Indian Ocean Outbreak. PLoS Pathogens. Vol. 3, December 2007, p. e201. doi: 10.1371/journal.pmed.0030263
Tsetsarkin KA, Vanlandingham DL, McGee CE, Higgs S (2007) A Single Mutation in Chikungunya Virus Affects Vector Specificity and Epidemic Potential. PLoS Pathog 3(12): e201. doi:10.1371/journal.ppat.0030201
Nichol ST, Arikawa J, Kawaoka Y (2000) Emerging viral diseases. Proc Natl Acad Sci U S A 97: 12411–12412. pmid:11035785 doi: 10.1073/pnas.210382297